É correto impor religião às crianças?
Duodêncio Décio *
Quase todos os pais e mães, com raras exceções, ensinam a seus pequenos filhos a religião que aprendeu de seus pais e mães, a mesma que eles receberam dos avós. Tem sido assim no decorrer dos tempos e provavelmente assim continuará até que em algum momento o bom senso venha prevalecer, o que já ocorre, raramente, em algumas famílias por aqui e em alguns países civilizados.
Covenhamos, amiga leitora, que a resposta a pergunta acima é NÃO. Não seria mais prudente que esperássemos as crianças crescerem para quando tiverem um nível de consciência suficiente, elas próprias decidirem seus destinos em relação ao lucrativo mercado da fé? Os pais, se fossem sensatos, deveriam expor aos filhos e filhas que existem duas teses sobre o tema: uma de que existe uma criatura extraordinária que criou o mundo e que nos fiscaliza em tudo que fazemos pra anotar em seu iPad II os nossos pecados e uma outra de que essa entidade foi inventada pelo próprio homem e que a origem do mundo é muito mais complexa de que lendas criadas há milhares de anos por charlatões e falsários que nada entendiam de ciência.
Colocado esse contexto para os filhos, que decidiriam se teriam ou não religião, se teriam um visão científica do mundo ou supersticiosa, e caso elas decidam por ter crendices, aí os pais deveriam expor para eles o vasto cardápio das milhares de seitas existentes no mundo. Seria mais ou menos assim o que o pai ou mãe diria: - Filha, você optou por ter religião, ou seja, de crer em seres paranormais. Sendo assim, lhe apresento agora todos os deuses do mundo (dizem que só na Índia são mais de trinta milhões destes seres).. Se ela escolher o deus caberia ainda aos pais dizer para elas que esses deuses se "revelaram" para muitos privilegiados (sempre sem testemunha) e cada qual tem uma seita diferente. Se ela achar que o enviado do tal deus é Jesus Cristo, ela será cristã, se achar que é Maomé, ela será do islã, se achar que é Buda, será budista, e assim sucessivamente.
E caso ele escolha ser cristã, ela terá ainda o direito de optar pelas milhares de seitas que dizem ser a representação de Jesus Cristo na terra. Caso ela opte pelo islã, ela poderá encontrar um cardápio variado dos herdeiros de alah. No Brasil, se a pessoa decidir pelo cristianismo, basta ir na periferia de qualquer cidade e lá verá de perto as representações de Jesus com os nomes mais pomposos, esdrúxulos e bizarros que se possa imaginar.
Quando tratei desse tema com a mãe da minha filha, uma mulher supersticiosa, disse o que disse acima. Ela retrucou dizendo que ensinaria a ela sim, as crendices, e caso a menina depois no futuro optasse por não acreditar em magias, que ela assim o fizesse. Eis aí uma forma autoritária e equivocada de tratar um tema sensível. A avó da mesma filha, também mística, mas de outro ramo do cristianismo (uma evangelica e outra católica) também queria a neta como seguidora da bíblia.
Aqui abro um espaço para dizer que o percentual de pessoas que não acreditam em deuses é menor do que os crentes exatamente por isso. Não se abre essa possibilidade para as crianças e adolescentes e quando elas atingem a maturidade, no geral, já estão com a mente impregnada de chantagens dos deuses, tais como se não crer nele vai pro inferno ou que se não fizer orações pode sofrer retaliações diversas do Caridoso, sem direito de defesa. Eu felizmente me libertei das superstições ainda adolescente e hoje vivo em paz e feliz, mas confesso não ser fácil me desfazer de todas aquelas coisas que padres, professores e familiares nos obrigam a acreditar desde criancinhas. Quando a gente se liberta, porém, é só alegria.
Utilizar criaturas inocentes para incutir em suas cabeças uma crendice não somente é errado, mas vem a ser um absurdo – nada mais é do que lavagem cerebral. Vivêssemos num mundo civilizado isso deveria ser passível de rigorosa punição. Pais que levam seus filhos menores a cultos onde as pequenas criaturas nada entendem o que ali acontece em meio a cenas grotescas de charlatanismo, curandeirismo e histerismo não querem que elas pensem livremente. Isso sem falar nos riscos de serem estupradas por padres e pastores que depois serão protegidos pelas cúpulas de suas igrejas, os prepostos de deus na terra.
Muitos alegam que a religião seria importante para a formação moral das crianças, associando moralidade a crendice. Isso é rigorosamente falso.. Já está provado em vários estudos publicados que quanto mais religioso um país, maior índice de criminalidade, mais concentração de renda, mais preconceito e mais miséria. Para chegar a tal conclusão basta ir a um presídio e lá não se encontrará um único pecador de deus que não acredita nele.
A propósito, três dos países que ostentam os maiores índices de desenvolvimento humano no mundo, Suécia, Dinamarca e Noruega, tem percentuais de não religiosos em torno de 80% da população e estima-se que, por não terem a prática de empurrarem goela abaixo das crianças as lendas bíblicas, a religiosidade, que já baixíssima por lá, tende a desaparecer. Alguém já ouviu falar em massacres, assassinatos em massa, bandidagem e escândalos constantes nessas nações? Aqui no Brasil os homens de deus transportam dinheiro ilegal dentro da biblia e até mesmo no bolso de suas crianças.
Mas não é só religião que não devemos impor aos filhos. Outro exemplo de imposição que se faz é no futebol. Os pais praticamente obrigam os filhos a torcer pelo mesmo time que torce. Porque não esperar que a criança cresça e ela própria decida sobre seu time predileto? Eu sou Galo, minha filha é corintiana, eu torço pela Argentina, ela torce pra Espanha, eu acho Maradona o maior jogador do mundo de todos os tempos, ela acha que é Messi. É assim que deve ser, conviver com a plena liberdade de pensar, com as diferenças. Enfim, os padres estão acostumados a estuprar crianças, mas enfiar na mente delas as leis bíblicas não deixa de ser outra forma de estupro.
* Professor de Escatologia em Cambridge e autor do livro "Se deus é perfeito, porque as fezes fedem?”
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