Ficha limpa sim! Injustiça não!
“Toda vez que um justo grita, um carrasco vem calar”
Cecília Meirelles
O objeto da condenação que tem sido vinculado por parte da grande mídia brasileira, trata-se da utilização do carro oficial no auxílio a crianças e idosos que estavam doentes no acampamento Santo Dias, em São Bernardo do Campo, Julho de 2003.
Na ocasião eu exercia o quarto mandato de vereador pelo Partido dos Trabalhadores em São Bernardo do Campo.
Nosso mandato foi marcado por intensa participação popular, sindical, estudantil, gênero, etnia,defesa dos animais, do meio ambiente dentre outros.
Em Junho do mesmo ano, fiz no plenário da Câmara a defesa de Moradores de Rua que foram espancados pela polícia e a guarda municipal. Dialoguei com os mesmos da necessidade de se procurar uma vida digna, com uma moradia decente, bom emprego e por uma qualidade de vida compatível com o que merece os seres humanos e todos que habitam o planeta. Questionei inclusive que uma cidade rica como São Bernardo do Campo deveria apresentar políticas públicas para solucionar a exclusão e o déficit habitacional de aproximadamente 60 mil moradias.
Falei, dentre outras coisas, que o déficit habitacional não se justificava diante de inúmeras propriedades que não cumpriam com sua a função social, destinando-se apenas a especulação imobiliária.
Um mês após esse pronunciamento ocorreu a ocupação no terreno da Volkswagen, batizada como o nome de Acampamento Santo Dias. A direita reacionária vinculou a ocupação ao discurso que proferi na Câmara Municipal.
Diante da ocupação, realizada pelo MTST, fui solidário ao movimento que chegou a reunir em torno de 7 mil sem tetos, constituindo a maior ocupação urbana do país.Esta ocupação colocou em cheque a política social e habitacional do governo federal, estadual e municipal. Foi um verdadeiro Quilombo dos pobres e oprimidos.
Por conta dessa manifestação direta de solidariedade fui vítima de 3 ações –a primeira por meio de uma sindicância na Câmara Municipal (arquivada pelo presidente da Câmara), a segunda ação foi proposta pelo então prefeito Willian Dib (arquivada) e por último a ação apresentada pelo promotor Fernando A. Belaz .
No que diz respeito a sindicância, após as oitivas concluiu-se o seguinte:
“Com as informações obtidas através da oitiva de testemunhas e dos documentos juntados aos autos do presente processo, apurou-se que o veiculo oficial, placa BFY-9961, de propriedade desta Câmara Municipal, encontrava-se no acampamento “Santo Dias” na noite do dia 32 de julho de 2003, à disposição do Gabinete do Vereador Aldo Santos, e que foi utilizado pelo funcionário Paulismar Alves Duarte, assessor técnico de gabinete, lotado no gabinete do Vereador Aldo Santos, no transporte de pessoas - cerca de quatro adultos e oito crianças - do acampamento para a zona leste da cidade de São Paulo - não há precisão do local onde as pessoas foram deixadas em razão da proximidade entre as duas regiões. O Vereador Aldo Santos estava no acampamento e autorizou que seu funcionário fizesse esse transporte, em razão das condições precárias de higiene e saúde das crianças e a iminência da ação policial na reintegração de posse da área.
O jornal Diário do Grande ABC não forneceu a identificação das pessoas que disseram à reportagem que estavam indo para Guarulhos e que tinham vindo a São Bernardo para “colaborar com o movimento”.
Não há indícios de que o veículo tenha sido utilizado para transportar pessoas de outros municípios para o acampamento.
De acordo com o artigo 2º, inciso II, § 2º, a resolução nº 894, de 18 de setembro de 1987, que regulamenta o uso dos veículos oficiais da câmara, o referido veículo destina-se a prestação de serviços aos vereadores, e deve ser usado para o desempenho das funções específicas inerentes à vereança.
O jornal afirmou na matéria jornalística que o transporte de pessoas para outro município com veículos da Câmara Municipal seria ilegal, e que o uso do veículo fora do horário de expediente da Câmara também representaria irregularidades; todavia, na resolução nº 894/87 não ha qualquer vedação na locomoção dos veículos oficiais da Câmara para outras localidades, e também não há vedação no uso de veículos de prestação de serviços aos vereadores fora do horário de expediente da Câmara, sendo somente vedado o uso dos veículos de prestação de serviços pela administração da Câmara, salvo motivo de força maior, fora do período diário das 7h30min às 18h06min.
Com isso, encerram-se os trabalhos da comissão de sindicância, encaminhando o presente processo para ciência e deliberação da mesa diretora da câmara municipal.
São Bernardo do Campo, 15 de dezembro de 2003”.
O presidente da Câmara, na época, Laurentino Hilário acolheu o parecer da sindicância, bem como mandou arquivá-la tendo por base os argumentos das oitivas juntamente com a sentença proferida pelo juiz Alexandre Betini em 5 de Agosto de 2004.
Após extensa argumentação o juiz decidiu:
“Pelo exposto, JULGO IMPROCEDENTE a presente ação movida pelo Ministério Público contra de Aldo Josias dos Santos.
Igualmente JULGO IMPROCEDENTE a presente ação movida contra CAMILA ALVES CANDIDO E MTST (MOVIMENTO DOS TRABALHADORES SEM TETO).
JULGO EXTINTA a ação em face de IRACEMA MENDES DA SILVA e JOÃO BATISTA COSTA, tendo em vista a ilegitimidade passiva, na forma de como dispõe o inciso VI, do artigo 267, do Código de Processo Civil.
Não há ônus de sucumbência a serem fixados”.
Em 24 de Outubro de 2004, o presidente da Câmara, Laurentino Hilário “Diante da sentença judicial, sugiro o arquivamento do caso”.
Os Promotores recorreram da decisão da sentença, e na 2º instância a sentença foi reformada.
A procuradoria Regional Eleitoral em São Paulo, então, utilizou-se os seguintes argumentos para propor AÇÃO DE IMPUGNAÇÃO DE PEDIDO DE REGISTRO DE CANDIDATURA:
“Ademais, Aldo Josias dos Santos, também está inelegível, pois foi condenado pela prática de improbidade administrativa, por decisão colegiada do e.Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, à suspensão dos direitos políticos pelo prazo de 5 anos (Conforme Acórdão n. 395.997.5/3-00 em anexo) em razão da utilização indevida e ilícita de uma Kombi, de propriedade da Câmara Municipal de São Bernardo do Campo, contribuindo, ao disponibilizar o referido veiculo, com os manifestantes do MST (Movimento Sem Terra) na invasão de um terreno particular. Conforme consta no referido acórdão, in verbis:
“Resta suficiente a prova do prejuízo à ordem social e urbanística causado pelos líderes do movimento, apontados na inicial e a improbidade administrativa com que se houve o requerido Aldo Josias dos Santos.
Induvidosa restou a conduta ímproba deste, porquanto se valeu de sua função pública (vereador Municipal) para utilizar veículo público para fins particulares e alheios ao interesse público, incorrendo na conduta descrita no artigo 11, caput, da Lei de improbidade administrativa, razão pela qual é de rigor a imposição das sanções previstas no art.12, inciso III, da Lei Federal nº8.429/92”
Assim, ao lesar o patrimônio público com a utilização de um veiculo da Câmara Municipal pra fins particulares, o candidato está inelegível com fulcro no art.1º, inciso I, letra “I” da lei complementar 64/90.”
Segundo Dr. Horacio Neto, Advogado do processo:
“Analisei o pedido de impugnação feito pelo Ministério Público Eleitoral e entendo que é possível demonstrar que o caso específico da sua condenação não se enquadra na Lei Complementar 135/2010 (Lei da Ficha Limpa).
O Ministério Público baseou o pedido de impugnação no Art. 1º, inciso I, letra “I”, da Lei da Ficha Limpa, que dispõe:
“I) os que forem condenados à suspensão dos direitos políticos, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado, por ato doloso de improbidade administrativa que importe lesão ao patrimônio público e enriquecimento ilícito, desde a condenação ou o trânsito em julgado até o transcurso do prazo de 8 (oito) anos após o cumprimento da pena.”
Ocorre que sua condenação se deu com fundamento no art. 11, caput, da Lei de Improbidade Administrativa, artigo este que não versa apenas sobre os atos de improbidade administrativa que atentem contra os princípios da administração pública (lealdade, legalidade, honestidade ou imparcialidade). Os atos de improbidade administrativa que importam lesão ao patrimônio público e enriquecimento ilícito estão tipificados nos arts. 9º e 10, da Lei de Improbidade, e não no art. 11.
Conclui-se, portanto, que você não foi condenado por lesão ao patrimônio público e (muito menos) por enriquecimento ilícito. Em verdade, o seu caso nada tem a ver com improbidade administrativa, pois os fatos demonstram se tratar de mais uma tentativa de criminalização dos movimentos sociais. A participação do seu mandato no apoio ao movimento de moradia do MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto) bem como a utilização do veículo para a retirada de idosos, crianças do local em que ocorria a ocupação não feriram a lei nem os princípios administrativos, sendo importante frisar que a ação judicial foi julgada improcedente em primeira instância”.
Isto posto, fica evidente a tentativa de criminalização do movimento social, bem como amordaçamento dos mandatos populares, movimentos e lutadores sociais socialistas comprometidos com os reais anseios de transformação da sociedade capitalista.
Através de nota pública o partido contextualiza o debate, faz um corte a partir do seu compromisso com a ética na política ao afirmar que:
“O PSOL é um partido pautado pela ética. Desde sua criação, esteve a frente de todas as lutas contra a corrupção, defendeu a cassação de
Sarney e Renan Calheiros e o impeachment dos governadores José Roberto Arruda e Yeda Crusius. Defensor da lei do “Ficha Limpa” desde o
início, o PSOL levou sua militância às ruas para coletar assinaturas
pela aprovação do projeto.
Nesse caso, porém, há uma clara inversão: a lei da “Ficha Limpa”, que
deveria servir para barrar a candidatura de corruptos, foi desvirtuada
de forma a reforçar a crescente criminalização dos movimentos sociais.
Por isso, o PSOL recorrerá da decisão e manterá a candidatura de Aldo
Santos a vice-governador. Sua trajetória de luta ao lado dos movimentos sociais é motivo de orgulho para nosso Partido”.
A conclusão que chegamos é que o estado de direito está a serviço da classe dominante, que há mais de 500 anos dizimou os índios, escravizou os negros e tenta impedir a libertação revolucionária da classe trabalhadora. Entendemos também que devemos refazer este debate no interior do partido, pois a burguesia certamente vai utilizar suas leis não para prejudicar os seus representados, mas, sim, para criminalizar, condenar e prender os militantes que atuam nos movimentos sem teto, sem terra, de demais lutas que questionam a propriedade privada e os meios de produção capitalista.
Continuar na luta é preciso!!!
Aldo Santos. Sindicalista, Coordenador da Corrente política TLS, Presidente da Associação dos professores de filosofia e filósofos do Estado de São Paulo, membro da Executiva Nacional do Psol e atualmente é candidato a Vice com Paulo Búfalo governador Psol-SP.(29/07/2010)
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